Friday, March 30, 2007

Fantasia intimista

Animações 3D com bichos, filmes baseados em heróis de quadrinhos e fantasia infanto-juvenil. A Santíssima Trindade da Hollywood atual, os filmes que dão lucro, que recuperam o dinheiro gasto com a maioria dos projetos que dão prejuízo -- ao menos na bilheteria. Tudo bem, é como o mercado funciona. Mas confesso que me dá um desânimo quando vejo mais um cartaz com bichinhos tridimensionais em cores vivas naquele clima de futura Sessão da Tarde. E eu sempre gostei de animação, seja tradicional ou 3D, mas por favor, tentem algo diferente de vez em quando. A repetição cansa.

Por força de ter sido produzido por algumas das mesmas empresas que trouxeram as Crônicas de Nárnia ao cinema, Ponte para Terabítia foi intencionalmente promovido como similar a O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa, uma fantasia assim para crianças e jovens que se passa em um mundo fantástico de criaturas místicas e lutas de espadas. Um filme para levar as crianças. E foi com essa expectativa que eu entrei na sala de cinema: mais uma fantasia infanto-juvenil. E não só eu, considerando que todos os outros adultos na sala estavam acompanhados de crianças.

Na verdade, Ponte para Terabítia é fantasia para crianças e jovens, e é um filme para levar as crianças. E acredito que seja um bom filme para crianças. Mas aí meia hora depois do começo do filme ainda não tinha aparecido nenhum efeito especial, e eu fiquei questionando minhas expectativas. Ao invés de computação gráfica, desenvolvimento de personagens, essa coisa antiquada. Vai que no final o filme é muito mais uma fantasia intimista, o que quer que isso signifique, do que algo ostensivo como Senhor dos Anéis ou Narnia.

E é aquela história: diverte crianças e adultos igualmente. A história pode ser entendida em mais de um nível, para usar um clichê. Quem for de choro pode levar um lenço, porque dá sim para verter umas lágrimas.

E boas atuações, o que vale mais porque são crianças. No todo é um filme bem feito e bonito. Não falei e não vou falar sobre a história, e é de propósito. Tem crianças e um mundo de fantasia, embora um tanto diferente. Mas eu entrei no cinema sem saber ou esperar muita coisa e saí surpreso e animado, daquele jeito que se sai da sala depois de um filme realmente bom. Talvez só seja possível sentir o mesmo que eu para quem for sem saber nada da história ou do que esperar. Melhor ainda se não ler este post.

Sobremesas são importantes


Match Point é um jantar completo. Scoop não passa de uma sobremesa. Foi o próprio Woody Allen quem forneceu essa definição curiosa _ em entrevista à revista Elle de março _ para seus dois filmes mais recentes, estrelados por sua nova musa (embora ele afirme não saber o que isso significa) Scarlett Johansson.

A opinião daquela que escreve essas linhas? Eu trocaria um jantar completo por uma simples sobremesa com relativa facilidade. Não que eu não tenha gostado de Match Point. Ao contrário, acho que é um filme genial, comparável a Annie Hall, o melhor de Allen pra mim. Mas Match Point carece daquela que é a essência da obra de Allen, a graça inteligente e ácida, mas ainda assim, leve e despretensiosa.

Scoop é assim. Cheio de graça, inteligente, ácido, leve e despretensioso. Scarlett não encarna (ufa!) uma mulher fatal, e isso é uma bênção, porque, no fim das contas, ela é bem divertida, fato esse quase sempre ocultado por suas formas voluptuosas, seus lábios carnudos e seus cabelos loiros.

Talvez eu tenha curtido o filme mais por motivos pessoais. A trama se passa em Londres, e só isso já conta muitos pontos num filme pra mim. O esnobe sotaque britânico, o cosmopolitismo londrino nato, a fixação que os ingleses têm pelo campo, o humor corrosivo e refinado dos servos da rainha Elizabeth. Tudo isso me agrada deveras. Tudo isso Scoop tem. E mais: Scarlett interpreta uma aspirante a jornalista. Uma estudante, vá lá. Identifiquei-me, pronto. Não que eu pretenda ser uma jornalista de verdade um dia, que dirá uma jornalista policial, mas identifiquei-me, é fato.

Gostei de Hugh Jackman também. Me fez esquecer por quase todo o filme que ele é e sempre será Wolverine, uma façanha considerável. Se vocês não associam Hugh Jackman a Wolverine necessariamente, perdoem, mas eu associo sim. Lembrem, eu tenho um filho de 7 anos totalmente fissurado pelos X-Men, e já vi os vários filmes da trupe algumas dezenas de vezes cada um. Pois, nem lembrei de Wolverine. O que me levou a pensar que a atuação do referido senhorito foi relativamente boa.

Outras coisas legais sobre o filme: o roteiro foi escrito sob medida para Scarlett exercitar seu lado comediante. A mim, pelo menos, ela não decepcionou. Scoop é cheio de bons improvisos. Woody Allen sempre diz que toda vez que ele tem uma tirada súbita durante uma cena, a maioria dos atores com quem contracena, por melhores que sejam, não resiste e cai na risada, o que, obviamente, estraga a performance toda. Scarlett entra na dança e responde na hora, sem demonstrar que está se segurando pra não morrer de rir. Scoop ainda tem Allen no elenco. Mais uma que ele não cansa de repetir: está ficando cada vez mais difícil pra ele achar papéis pra ele mesmo dentro de um filme. Allen é um diretor brilhante e um ator bem limitado, como todo mundo sabe, e ele não tem pudores de assumir. Ele é comediante, e só sabe interpretar a figura neurótica da trama. Para tanto, todos os fimes em que ele atua têm obrigatoriamente que ter uma figura cômica neurótica, o que dificulta o desenvolvimento de roteiros levemente diferenciados.

Então é isso. Vejam Scoop. Sem esperar demais dele. Divirtam-se e distraiam-se por 90 minutos de suas vidas atribuladas. E regozijem-se com a figura do mágico Splendini na tela. Pelo visto, vai ficar bem raro ver Woody Allen num filme de Woddy Allen daqui pra frente.