Wednesday, January 9, 2008

Mais do mesmo, sempre o mesmo

Só agora percebo as conexões entre quatro filmes que eu adoro. O engraçado é que uma delas eu fiz há muito tempo, mas as outras eram bastante óbvias e passaram batido total. Só agora, revendo Lost in Translation, é que completei a rede toda. E foi em duas cenas sem muita importância que eu vi as conexões, ou referências, chamem como quiserem, aparecerem. A primeira cena foi aquela em que Charlotte e Bob assistem juntos La Dolce Vita. A segunda cena foi uma mais rápida ainda, no bar do hotel deles, quando a cantora ruiva interpreta Scarborough Fair. Aí, nessa hora eu entendi tudo e me emocionei. E Teca, que via o filme comigo não entendeu nada e achou absurdo eu chorar com uma besteira tão grande. Explico-me.

Ano passado eu li um livro que me virou do avesso e me chacoalhou até eu cair toda no chão e ficar vazia. É claro que, na mesma hora, tornou-se ele meu livro preferido, desbancando da posição o honorável O Amor nos Tempos do Cólera. Eu comecei a ler cheia das maiores expectativas possíveis, influenciada por uma pessoa cuja opinião eu considero muito, e que também virou do avesso quando leu. O livro foi Norwegian Wood, de Haruki Murakami. Mas é preciso ter muita calma nessa hora.

Porque eu não estou indicando esse livro aqui. Não é uma resenha elogiosa esse texto. O que ocorre é que eu acredito muitíssimo naquela coisa de ler o livro certo no momento certo. De O Amor nos Tempos do Cólera eu teria gostado em qualquer momento da minha vida que eu tivesse lido, porque Gabriel Garcia Márquez é meu escritor preferido, e eu estou de tal forma envolvida com a obra dele que consigo amar mesmo os livros menores. O mesmo ocorre com Clarice Lispector, minha escritora brasileira preferida. Qualquer coisa que eu leia dela eu acho genial. E me identifico com tudo, sempre. Mas isso não vale, é claro, pra qualquer escritor. E obviamente não seria o caso de um japonês desconhecido.

O fato é que, dessa vez, aconteceu. Eu caí de amores pelo livro antes do final do primeiro capítulo, e soube logo que aquele era o livro da minha vida. É preciso dar um desconto grande quando eu falo isso, porque eu acredito que terei muito tempo pra ler muitas coisas ainda. Mas enfim, por enquanto, é o livro da minha vida sim. Porque fala de coisas que nesse momento me são muitíssimo familiares, é praticamente como se fosse um livro sobre mim, embora o personagem seja homem, adolescente e more em Tóquio. Não importa. A questão é a seguinte: não leiam Norwegian Wood. É uma identificação minha entendem? Não significa que é um livro genial. Mas nesse mérito, se é genial ou se é uma porcaria, eu não vou entrar aqui. Mesmo porque a estória que eu queria contar era outra. E era sobre filmes e não livros.

Pois muito bem. Eu li o livro e amei e me identifiquei e blá. Não fosse o bastante, eu me apaixonei por Toru Watanabe, o personagem principal, estudante de artes cênicas nascido em Kobe, no Japão. Me apaixonei por Toru e comecei a imitá-lo em um monte de coisas. Li os dois livros preferidos dele, O Grande Gatsby e Lorde Jim, e vi o filme de Gatsby, com Robert Redford e Mia Farrow. Depois vi o filme preferido de Toru, The Graduate. E passei a ouvir sem parar a trilha de The Graduate, em especial The Sounds of Silence e Scarborough Fair, as duas de Simon & Garfunkel, que, não por acaso eram as músicas preferidas de Toru, depois de, é claro, Norwegian Wood, dos Beatles. Enfim, eu surtei de vez por causa desse menino, como vocês podem constatar.

Tá, onde é que entram os filmes, vocês todos me perguntam juntos nessa hora. Entram no momento em que eu ouvi Scarborough Fair lá em Lost in Translation, ligando esse filme a The Graduate, e na cena em que Charlotte e Bob assistem juntos La Dolce Vita, ligando Fellini a Sofia Coppola e a Mike Nichols (de The Graduate). Aí agora é que entra a primeira conexão, que eu fiz há muito tempo, entre Maria Antonieta (De Coppola também, é sabido) e La Dolce Vita, porque foi só em que eu me lembrei enquanto via Kirsten Dunst comendo brioches e provando sapatos coloridos lá em Versailles, foi em Anita Eckberg tomando banho de noite na Fontana di Trevi, com aquele vestido preto tomara-que-caia que ninguém nunca mais na história do cinema esquecerá.

Porque vejam só. Os quatro filmes _ os dois de Coppola, o de Fellini e o de Nichols _ falam exatamente da mesmíssima coisa. A vida, cheia, repleta, abarrotada de luxos e prazeres e excessos, e que mesmo assim não tem sentido nenhum, por mais que se procure, e que é tão vazia, mas tão completamente vazia, oca, estéril, que faz com a gente só queira mesmo ficar sentada na janela, olhando a cidade lá embaixo, ou enchendo a cara o tempo todo no bar do hotel, ou dormindo ao sol na beira da piscina, ou aloprando de vez e entrando de vestido de festa e tudo numa fonte de praça, suja e fedorenta. E a coisa de crescer, a parte mais insana da vida, de sair de casa, do ninho, do próprio país e ganhar o mundo e ter que enfrentar tudo sozinho agora e ter que dar conta e casar e ter filhos e achar seu caminho e seu lugar e se satisfazer com ele e ser feliz, essa obrigação penosa.

A mesma dor, o mesmo drama, a mesma piada sem nenhuma graça, nos quatro filmes. Tudo tão familiar pra mim que chega dói. Temei, hein pessoal, o cinema, temei.